As campanhas e políticas de prevenção adotadas pelos governos brasileiros a partir de 1998, aliados ao Sistema Único de Saúde (SUS), contribuíram para o controle da transmissão do HIV, e consequentemente da Aids, no território nacional.
Atualmente, as condições de transmissão e proliferação do HIV seguem estáveis e com tendência de queda no país, conforme indica o Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, do Ministério da Saúde.
De acordo com números divulgados nesta quinta-feira (1), 694 mil pessoas estão em tratamento contra o HIV no Brasil. Apenas neste ano, 45 mil novos pacientes iniciaram a chamada terapia antirretroviral. Os números representam cobertura de 81% das pessoas diagnosticadas com HIV no país. Do total de pacientes em tratamento, 95% já não transmitem o vírus por via sexual por terem atingido carga viral suprimida. Em 2020, o país registrou 32.701 casos de HIV contra 43.312 em 2019 – uma redução de 10.611 casos (informações da
Agência Brasil)
Através do SUS, o acesso à informação se tornou mais simples, assim como os diagnósticos a partir de médicos e outros profissionais da saúde e aos métodos de prevenção, como os preservativos, amplamente distribuídos pelos postos da rede pública de saúde.
Apesar disso, durante muitos anos a Aids foi carregada de preconceitos e tabus, sendo associada a grupos de minorias. Com o avanço científico, a doença, que antes era considerada um ultimato para seu portador, hoje pode ser tratada com antivirais que contribuem para evitar as infecções e retardar sua evolução.
Neste Dia Mundial de Combate à Aids, a professora Carolina Ali, infectologista da Escola de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), explica a diferença entre termos, aborda os avanços medicinais e científicos relacionados ao HIV e cita outras questões pertinentes sobre o tema.
Há muita confusão sobre a diferença entre ser portador do vírus HIV e ter Aids. Você pode explicar a diferença dessas etapas e a interferência no tratamento?
A imensa maioria dos portadores do HIV apresentam imunidade normal, não apresentam sintomas relacionados ao vírus e, portanto, não são doentes. Tanto que foi criado o termo "pessoa vivendo com HIV" (PVHIV) para deixar claro que se trata de uma condição e não uma doença. Já a Aids é definida pela imunossupressão, evidenciada pela contagem dos linfócitos T CD4 abaixo de 200, pela presença de infecções oportunistas ou pela presença de certas neoplasias. As infecções oportunistas são aquelas causadas por agentes etiológicos pouco patogênicos, que habitualmente não causariam doença.
O Brasil vive uma onda de conservadorismo nos últimos anos. Isso pode impactar as ações de prevenção à contaminação pelo HIV?
Acredito que não, pois o Brasil possui uma política de assistência às PVHIV bem consolidada, e a rede de atenção conta hoje também com apoio da Estratégia de Saúde da Família, o que amplia ainda mais o acesso aos recursos. O país adota a estratégia de prevenção combinada, preconizada pela Unaids. Essa estratégia associa diferentes ferramentas e não foca somente no uso do preservativo. Estão incluídas na prevenção combinada a testagem regular e o tratamento precoce para o HIV e outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), a vacinação contra hepatite B e HPV, a prevenção da transmissão materno-infantil durante a gestação, e as profilaxias pré-exposição (PrEP) e pós-exposição (PEP). A PEP está disponível nos serviços de urgência, como as UPAs. A PrEP está em processo de descentralização, mas, por enquanto, só é encontrada nos grandes centros. A testagem rápida para HIV e outras infecções pode ser realizada nos PSFs e UPAs. Durante o funcionamento normal da UFOP, nosso Projeto de Extensão oferece testagem para os alunos e toda a comunidade no Centro de Saúde da UFOP uma vez por semana.
Ainda há muito preconceito sobre a doença e as pessoas infectadas com o vírus. Isso afeta as ações de prevenção?
Claro! O preconceito leva à desinformação, que, por sua vez, não permite ao indivíduo compreender suas vulnerabilidades. Aqueles que têm preconceito se acham inatingíveis e não enxergam que qualquer pessoa com vida sexual ativa está sob risco. Há outros fatores que afetam as ações de prevenção. Penso muito na desinformação e na falta de interesse dos jovens em questões da atualidade. O maior número de casos de infecção pelo HIV tem ocorrido entre jovens do sexo masculino de 25 a 29 anos, uma população que tem muita facilidade no manejo da internet e acesso à informação, mas que nem sempre é atingida pelas campanhas publicitárias. Acredito que a Universidade tenha um papel importante na prevenção, pois acolhe jovens nessa faixa etária de risco.
Desde que o vírus surgiu e começou a se espalhar, muito mudou no tratamento das pessoas infectadas. Como é esse tratamento hoje? É possível uma pessoa soropositiva ter uma vida normal?
É muito importante acabar com o estigma que atormentou as gerações passadas. Aqueles indivíduos que se infectaram nas primeiras décadas da epidemia sofreram, de fato, com a falta de bons medicamentos. Como havia poucas classes de antirretrovirais, os vírus rapidamente se tornavam resistentes aos medicamentos, que logo deixavam de agir, e isso foi o que aconteceu com grandes nomes como Cazuza, Fred Mercury, Betinho, entre outros. Em 1995 surgiram os inibidores de protease, uma classe de medicamentos que potencializou o tratamento. Os medicamentos mantinham algumas reações adversas importantes e alguns exigiam cuidados especiais, como a necessidade de serem armazenados em geladeira. Obviamente isso comprometia muito a adesão ao tratamento. Em seguida surgiu o antirretroviral de uma pílula só. Isso foi muito importante para tornar o tratamento mais amigável. Hoje, felizmente contamos com medicações potentes e com poucas reações adversas. Com frequência ouço dos pacientes iniciando o tratamento que eles temem que a medicação não esteja fazendo efeito pois não sentiram nada de diferente. Os próprios pacientes ainda sofrem do estigma de que precisam sofrer para tratar o HIV. Claro, exames regulares e o uso diário da medicação são necessários. E hoje, com o conhecimento acumulado, trabalhamos o conceito de indetectável = intransmissível. Ou seja, aquelas PVHIV que fazem o uso correto da medicação, que não apresentam nenhuma outra infecção sexualmente transmissível e que têm contagem de carga viral indetectável por pelo menos seis meses não transmitem o vírus por via sexual.
O Brasil é pioneiro no acesso ao tratamento para pessoas com Aids pelo sistema público de saúde. O que uma pessoa infectada pode fazer pelo SUS?
O tratamento das PVHIV pode ser realizado pelo SUS sem burocracias e sem maiores dificuldades. Os exames necessários e os medicamentos (antirretrovirais) são garantidos de forma regular. Aqueles que preferirem fazer acompanhamento com médicos particulares ou conveniados ainda assim têm o direito a exames e medicamentos garantidos pelo SUS.
Mais de 30 milhões de pessoas morreram de complicações da Aids desde os anos 80 (dados do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS - Unaids) e ainda não contamos com uma vacina contra a doença, apesar de haver pesquisas promissoras na área. Já a vacina contra o SARS-CoV-2 chegou ao público após um ano de pandemia. Por que é tão difícil desenvolver um imunizante contra o vírus HIV?
Características do HIV e da interação do vírus com o sistema imunológico trazem dificuldade para a elaboração de uma vacina de prevenção. No momento, existem algumas vacinas em teste no mundo e o Brasil participa de alguns estudos. Os resultados mostram eficácia moderada, e tudo indica que ainda haverá a necessidade de associar profilaxias medicamentosas quando há exposição de risco.
Podemos ficar otimistas em relação à criação da vacina ou mesmo à cura?
Já existem dois casos bem documentados de cura do HIV. Ambos os pacientes apresentaram câncer hematológico e necessitavam de transplante de medula. Nesse processo, receberam uma medula de doador com características específicas e foram considerados curados do HIV anos após o transplante. A situação foi bem específica e não se pode pensar nesse tratamento em larga escala pelos riscos inerentes aos procedimentos. Entretanto, esses casos e a reviravolta da virologia trazida pelo SARS-CoV-2 trazem, sem dúvida, esperança para as PVHIV. Enquanto a cura não chega, é importante as pessoas quebrarem os tabus e procurarem por testagem regular. O diagnóstico precoce e a adesão ao tratamento ainda são os pilares para se conviver bem com o HIV.
A DATA - O dia 1º de dezembro é o Dia Mundial de Combate à Aids desde outubro de 1987, por uma decisão da Assembleia Mundial de Saúde, com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU). A data serve para reforçar a solidariedade, a tolerância, a compaixão e a compreensão com as pessoas infectadas pelo HIV/Aids.No Brasil, a data passou a ser adotada a partir de 1988.
Nesta quarta-feira (1), em mensagem sobre a data, o secretário-geral da ONU, António Guterres, ressaltou que ainda é possível acabar com a epidemia até 2030. No entanto, o líder das Nações Unidas ressalta que é preciso promover ações mais intensas e mais solidariedade para atingir este propósito. Até 2020, estima-se que 38 milhões de pessoas viviam com HIV em todo o mundo.
Saiba mais.
EM DISCUSSÃO - Esta seção é ocupada por uma entrevista, no formato pingue-pongue, realizada com um integrante da comunidade ufopiana. O espaço tem a função de divulgar as temáticas em pauta no universo acadêmico e trazer o ponto de vista de especialistas sobre assuntos relevantes para a sociedade.