O "Em Discussão" traz o tema economia solidária e sustentabilidade, a fim de mostrar não só os impactos positivos que esse movimento proporciona, como também as dificuldades enfrentadas para sua expansão. Para abordar o tema, o convidado é o professor do Departamento de Engenharia de Produção (Deenp) do Instituto de Ciências Exatas e Aplicadas (Icea) Jean Carlos Machado Alves.
Jean nasceu em São Paulo e foi criado em Bom Sucesso, Minas Gerais. Filho de um pedreiro e de uma ex-empregada doméstica, foi o primeiro da família a ter curso superior. Formou-se em Administração pela Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ) e é especialista em Educação Empreendedora e Gestão Ambiental e Social. Fez mestrado em Engenharia de Produção na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e doutorado em Sistemas de Gestão Sustentáveis pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Jean também fez estágio doutoral no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, em Portugal.
Atualmente, faz pós-doutorado e desenvolve pesquisa, extensão e ensino em diversas áreas, como Gestão Social e Ambiental, Engenharia da Sustentabilidade e Economia Solidária. O professor é membro da Coordenação Nacional da Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs), na qual representa Minas Gerais, e professor orientador da Incubadora de Empreendimentos Sociais e Solidários da UFOP (Incop).
Economia solidária ou empreendedorismo solidário é um movimento que ocorre no mundo todo e diz respeito à produção, ao consumo e à distribuição de riqueza com foco no ser humano. Entretanto, o termo "economia solidária" foi criado no Brasil. Professor, quando e em qual contexto o movimento surgiu aqui?
Jean Carlos: A economia solidária existe desde quando o ser humano decidiu trabalhar de forma conjunta, visando sua sobrevivência e seu bem-estar. Porém, ganhou destaque no século XIX, a partir da luta contra os impactos negativos da Revolução Industrial e do fortalecimento do sistema capitalista. Temos que entender que, quando falamos em empreendedorismo solidário, não estamos falando no sentido econômico da palavra "empreendedorismo", mas sim das iniciativas coletivas que têm como base a economia solidária. No Brasil, a Economia Solidária começa a ser estudada e apresentada cientificamente na década de 1980, na qual o cenário sociopolítico passava por várias transformações, o que impactava na economia. No final de 1980, com a abertura de mercado e fortalecimento do sistema capitalista, vieram as várias consequências negativas, como a exclusão e marginalização das pessoas que não atendiam aos perfis exigidos por esse sistema. Assim, a partir da década de 1990, a Economia Solidária é estudada e desenvolvida pelas universidades a partir das ações extensionistas como, por exemplo, as ITCPs. No início do século XXI, com a ascensão de partidos políticos na liderança nacional os quais defendem o bem-estar social e acreditam na economia solidária, foi criada a Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes). O objetivo era retomar o desenvolvimento econômico do país e promover políticas de governo visando a cidadania. Infelizmente, nos últimos anos, a Senaes perdeu o estado de secretaria e hoje é um departamento, o que diminui, e muito, as políticas voltadas à economia solidária.
A participação de trabalhadores à frente desses empreendimentos solidários aconteceu principalmente diante de crises que acarretaram mazelas sociais. No momento atual da pandemia, a economia solidária estaria ganhando um novo impulso?
Jean Carlos: Um detalhe importante que precisamos esclarecer é que a economia solidária, por ter dentre seus objetivos a valorização e o foco no ser humano, não trabalha somente com "pobres", no sentido material e capital, mas sim com pessoas de alguma forma marginalizadas na sociedade, independentemente de sua situação socioeconômica. Sobre o contexto da pandemia e perspectivas pós-pandemia, pode-se dizer que os defensores da economia solidária a têm visto como uma das alternativas para o desenvolvimento e fortalecimento econômico. Dentre as várias palavras que temos ouvido desde o início da pandemia, "solidariedade" e "cooperação" têm sido vinculadas a várias ações, iniciativas e possibilidades. E por que não acreditar e fortalecer uma economia de fato solidária? Entretanto, falar que a economia solidária estaria ganhando novo impulso no contexto sociopolítico que temos enfrentado — acredito que seja uma expectativa, mas a realidade, infelizmente, é outra, por falta de políticas públicas de apoio ao movimento.
A economia solidária se consolidou como um movimento de luta, principalmente na agricultura familiar. Os movimentos sociais rurais contribuíram para essa expansão?
Jean Carlos: Com certeza os movimentos sociais rurais contribuíram e contribuem para a expansão, sustentabilidade e fortalecimento da economia solidária. A agricultura familiar é de extrema importância para a economia brasileira. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Censo Agropecuário de 2017 diz que 77% dos espaços agrícolas foram classificados como de agricultura familiar, empregando mais de 10 milhões de pessoas.
Conte um pouco da trajetória da Incubadora de Empreendimentos Sociais e Solidários (Incop). De que maneira é aplicado o empreendedorismo solidário como transformação social?
Jean Carlos: A Incop surgiu no final de 2011 e se consolidou em 2012 nos três campi da Universidade. Inicialmente tinha objetivos diversos, dependendo do campus que atuava. Em 2015, devido à falta de recursos financeiros, a incubadora deu continuidade somente no Icea, onde atua até a presente data. Atualmente, é um laboratório de extensão que trabalha de forma interdisciplinar entre os quatro cursos que o Icea oferece: Sistemas da Informação e as Engenharias de Produção, Elétrica e Computação. O objetivo é promover o resgate da cidadania de pessoas marginalizadas na região por meio da economia solidária. Entre os empreendimentos já incubados, há associações, cooperativas e grupos que queriam se formalizar como tal. Algumas atividades dessas organizações são: reciclagem, saúde mental, saúde e dependência química, artesanato, pedra-sabão, agricultura familiar, costura, saúde, meio ambiente, feira de economia solidária, banco popular, alimentação, cultura afro, entre outros. A incubadora já teve projetos premiados em nível nacional, projetos que ficaram em primeiro lugar no Brasil e publicações internacionais. Atualmente, também tem atuado com mestrandos da Engenharia de Produção.
A preocupação com a sustentabilidade é algo que vem tomando espaço nos dias atuais. Como o empreendedorismo social e criativo se posiciona em relação a essa questão?
Jean Carlos: De fato, a sustentabilidade é algo essencial para a nossa sobrevivência e é um caminho sem volta, não só no contexto da pandemia — já que esta é uma questão de saúde e meio ambiente —, como também em outros aspectos. Sempre foi essencial, mas acredito que ganhará mais espaço no processo de conscientização, o que é complicado, demanda tempo e, principalmente, mudança de postura. A discussão do empreendedorismo social e criativo é complexa, pois o fato de "ser social" não significa que esteja isento de questões negativas do sistema capitalista. E, ainda, alguns têm o foco no econômico, não necessariamente no "social". Porém, quando os membros incorporam e se conscientizam sobre os ideais da economia solidária, lutam e interagem com o sistema capitalista de forma a preservar sua essência. Reforço aqui que um dos pilares da economia solidária é a sustentabilidade e responsabilidade social, desde que haja um processo de conscientização dos seus integrantes. Assim, a sustentabilidade local e regional será consequência dos trabalhos dos empreendimentos solidários.
Professor, você vê a economia solidária como uma alternativa para mitigar a miséria — que vem retornando em diversos países pobres — tanto neste momento de pandemia como após a pandemia?
Jean Carlos: Sim, com certeza! Não só a economia solidária, mas o empreendedorismo no seu sentido mais amplo: social, psicológico e de inovação. Esse movimento trabalha com tecnologias sociais, essas que historicamente já resolveram ou amenizaram vários problemas, tais como a desnutrição, através da multimistura criada pela Pastoral da Criança. Essa outra economia pode não só mitigar mas resolver alguns problemas socioeconômicos, ambientais e políticos, porque a economia solidária foca no principal fator transformador: o ser humano e a sua relação com o meio em que está inserido. Dizer que é fácil esse processo seria muita ingenuidade, mas há esperança, principalmente por causa de iniciativas como esta de divulgação da temática.
Em um mundo ideal, onde a economia solidária estivesse mais fortalecida, quais seriam as vantagens de esse movimento atuar de maneira harmoniosa com o sistema capitalista?
Jean Carlos: Maneira harmoniosa? Realmente muito ideal. Porém acredito que, inicialmente, para se ter uma harmonização, o foco seria na sustentabilidade social, ou seja, na qualidade de vida das pessoas. Consequentemente, as demais sustentabilidades poderiam ser desenvolvidas e ganhariam força. Assim, diversos benefícios poderiam ser alcançados, como equidade, desenvolvimento sustentável, justiça social e inclusão.
EM DISCUSSÃO - Esta seção é ocupada por uma entrevista no formato pingue-pongue, realizada com um integrante da comunidade ufopiana. O espaço tem a função de divulgar as temáticas em pauta no universo acadêmico e trazer o ponto de vista de especialistas sobre assuntos relevantes para a sociedade.