Criado por Beatriz Tinôco em qua, 21/06/2023 - 08:40 | Editado por Regiane Barbosa há 1 ano.
No Brasil, as diversas vertentes do esporte são tema comum nas conversas cotidianas, em especial o futebol, que tem a posição de maior destaque na atenção dos torcedores e da mídia. Por sua vez, as outras atividades esportivas têm dificuldade de se consolidarem no imaginário popular e, nos últimos anos, a desigualdade ficou ainda maior, devido à ausência de políticas públicas e ao isolamento imposto pela pandemia. Esse desequilíbrio é verificado também nas instituições de ensino.
O Em Discussão conversou com o técnico em Educação Física, Renato Moreira, que atua na Escola de Educação Física da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Graduado em Educação Física pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), mestre em Gestão Desportiva pela Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (Fadeup) e doutor em Ciências do Desporto pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (Utad), as duas últimas em Portugal, o pesquisador e treinador viçosense afirma ser "papel das universidades estimular a prática esportiva, acadêmica e social”. Na conversa, Renato fala sobre a prática esportiva e o incentivo ao esporte dentro e fora das universidades.
Renato, você já acompanhou competições esportivas em diversas instituições, tanto no Brasil quanto em Portugal. Como você define a relação entre o esporte e a comunidade acadêmica? Há alguma semelhança entre as instituições brasileiras e portuguesas?
A atividade esportiva na universidade e na comunidade acadêmica é de extrema importância, pelo fato de proporcionar às pessoas uma continuidade da rotina esportiva que elas já possuíam. É uma forma de quebrar a rotina acadêmica de aula e pesquisa, que costuma ser bem estressante. Acontece também que algumas pessoas que entram na Universidade já eram atletas antes, então, seja no caráter competitivo ou participativo, querem continuar tendo essa rotina. Por exemplo, temos a Lara, atleta do taekwondo feminino, que está disputando o campeonato brasileiro em Brasília e já era atleta antes de entrar na UFOP. São diversos alunos nessa condição. Um dos papéis das universidades é estimular os estudantes dessa forma. A questão lá fora é diferente porque eles têm o calendário competitivo regionalizado. Também pelo tamanho do país — com distâncias menores, eles conseguem se organizar mais facilmente. Aqui, muitas vezes não conseguimos participar de todas as competições. As questões de estrutura de treinamento, equipes e gestão são praticamente similares, mas a diferença que consigo perceber é que lá fora a gestão universitária é melhor estruturada que aqui, já que algumas universidades nossas ainda encaram o esporte universitário como gasto. Na UFOP, tivemos um bom período de incentivo, desde 2009. Com a pandemia, o corte de gastos dificultou a continuidade, mas retomamos as atividades no ano passado, encaminhando um debate na Universidade sobre a bolsa-atleta, espelhando o que tem sido feito em outras instituições de ensino.
Na sua pesquisa em Gestão do Desporto Universitário na UFOP, você aborda a relação entre a educação física na escola e a prática de esportes na universidade, além da perspectiva do atleta nesses diferentes momentos. Quais são as implicações dessa relação para o esporte?
No mestrado, quis estudar o ponto de vista dos atletas e me propus a encaminhar a pesquisa para a administração, já que o Brasil precisa ter um modelo de esporte melhor estruturado. Como exemplo, temos o modelo americano, em que o estudante começa a praticar o esporte na escola e entra na universidade por intermédio da bolsa-atleta. Na UFOP, a Educação Física recebe os jogos escolares do ensino fundamental e médio. Temos uma boa conversa com a prefeitura nessa questão de auxiliar nos Jogos Escolares de Minas Gerais (Jemg) em diversos esportes, como o handebol. Mesmo assim, precisamos começar a estruturar uma política esportiva dentro das escolas para detectar talentos esportivos. A região de Ouro Preto tem muita criança com boa habilidade esportiva. Dentro da UFOP, por exemplo, o Instituto Trampolim é uma parceria entre a Instituição e a comunidade, com os projetos de futsal e handebol. As universidades precisam dialogar com as escolas para ter esse encaminhamento, gerando uma política de incentivo à criança que já é atleta desde cedo. Isso, independentemente de eles chegarem a ser atletas de alto nível, ou seja, não importa a profissão que a pessoa vá escolher. Por exemplo, a Lara está fazendo Engenharia Urbana, mas disputa o mundial universitário de taekwondo feminino. Ela pode continuar depois da Universidade como treinadora no taekwondo, incentivando outras crianças de escolas municipais, estaduais e particulares de Ouro Preto.
Você também pesquisa temas relacionados aos treinamentos, práticas, saúde, bem-estar, entre outros — todos de forma presencial. Como você avalia as competições digitais, que envolvem esportes que nasceram no contato físico e tátil?
Essa questão é bem complicada dentro da Educação Física, um dos maiores debates que temos agora. Considero o esporte praticado no ambiente digital como esporte, pela rotina de preparação. Quem nega isso está negando uma parcela de um mercado futuro. Muitas pessoas falam: "Ah, mas jogar videogame não é a mesma coisa que estar dentro de quadra. O jogo é diferente!" Concordo que a intensidade de jogo pode ser diferente de estar lá na disputa pelo espaço, pela bola. Mas é quase inevitável aceitar essas modalidades dentro da Educação Física, abrindo um pouquinho a cabeça e começando a encarar essa atuação como mercado de trabalho. No ano passado, já tivemos um campeão brasileiro de e-sportes, de CS:GO, em João Monlevade. A tendência é crescer cada vez mais e ganhar cada vez mais adeptos.
Alguns esportes têm mais visibilidade que outros no Brasil, como o futebol e o vôlei, sendo ofertados em diversas instituições de ensino e entidades desportivas. Qual a importância de ampliar a visibilidade e a variedade dos esportes?
O primeiro erro é quando focamos demais no futebol. Há discussões como: "Ah, porque temos que pegar o futebol como exemplo, tem que tentar fazer igual". Esporte nenhum consegue chegar perto da magnitude do futebol. Quando eu era mais novo, acompanhar um jogo de vôlei era muito chato, porque tinha a alternância das vantagens a cada acerto ou erro. Por isso, às vezes, eram duas ou três horas de jogo. O vôlei fez algumas adaptações, ou seja, melhorou o espetáculo. Ficou mais atraente para o mercado, para o público, crescendo e atingindo mais pessoas. O que precisamos fazer nos outros esportes é descobrir uma forma de ganhar visibilidade dentro de cada nicho, crescendo e chamando atenção. Por exemplo, assinei em 2020 uma plataforma de streaming que transmite jogos de futsal, que não são transmitidos na TV aberta. Talvez falte maior engajamento para chegar na TV aberta. Então, talvez seja necessário criar uma plataforma especializada.
Qual o impacto do projeto de extensão "Escola de Futsal UFOP", direcionado para a iniciação na modalidade futsal para crianças dos 5 aos 17 anos, que você coordena desde 2014? Qual a importância desse diálogo do conhecimento acadêmico com as comunidades próximas?
Usei como referência a UFV, que tem um papel social muito grande na cidade. Quando cheguei aqui na UFOP, vi muitas crianças descendo, às vezes, para jogar em outras escolinhas da cidade. Então pensei: "Não é possível que a UFOP não possa ter um projeto de iniciação esportiva aqui dentro para crescer o futebol, basquete e outros esportes". O curso também é uma oportunidade de trabalho muito boa para os acadêmicos da área. Com os projetos de extensão, conseguimos encaminhar os universitários, crianças e jovens para o mundo do esporte. Por exemplo, temos ex-alunos no Flamengo, no Paris Saint-Germain Academy, na escola de futebol do Cruzeiro na Tailândia. Contribuímos também com a questão do estágio dentro do curso. Além disso, eu e a Maria Teresa, ex-aluna e ex-atleta aqui do futsal feminino da UFOP, publicamos um livro. É uma forma da retribuirmos o que a Universidade nos oferece. Nosso projeto tem 92 alunos em quatro turmas, estando bem cheios este ano! A ideia é ter três anos de execução e a renovação. É uma ação que gosto muito e a contribuição dela para a comunidade ouro-pretana é muito grande.
Somente a partir da década de 1920 a participação das mulheres no esporte aconteceu de forma livre, mas ainda assim restrita e limitada a algumas modalidades específicas. O futebol feminino, por exemplo, foi proibido em um decreto assinado em 1941, que só foi revogado em 1979. Como você percebe a participação das mulheres e universitárias atualmente no esporte?
A questão da mulher no esporte é mais difícil. Trabalho com o futsal feminino aqui na UFOP desde 2010 e esse segmento tem crescido bastante. O futebol e o futsal ainda precisam de uma estruturação melhor. Isso deveria ser estimulado, tendo por exemplo a regra de que, para ter os times masculinos, o clube precisaria ter os femininos também. Atualmente, a UFOP possui equipes femininas de futsal, vôlei, handebol, basquete, taekwondo e xadrez. Tivemos uma perda muito grande na pandemia, pois havia um grupo de 20 estudantes treinando regularmente e 16 se formaram. Hoje, são 25 alunas treinando futsal, viajando e competindo. Em outros esportes, temos a Carol, do xadrez, que já foi vice-campeã brasileira. Aos pouquinhos, as mulheres estão ganhando espaço, diminuindo uma defasagem desses mais de 40 anos em que elas não podiam praticar alguns esportes.
No art. 217 da Constituição Federal, é assegurado o esporte como prática de lazer e fomento à saúde. Como você vê o papel dos governos, por meio de políticas públicas, e das universidades, na garantia do direito de acesso às práticas esportivas?
Entendo que há esse direito e garantia, mas não é exercido pelos governos. Algumas instituições ainda consideram o esporte universitário como um gasto, mas na verdade é investimento. O Brasil precisa entender a importância do esporte, não só na universidade, mas desde a educação básica, na primeira idade, e passar a investir. Muitas vezes, a qualidade dos espaços, como as quadras, é muito precária. Há a necessidade de investimento em escolas municipais e estaduais, para garantir as aulas de educação física, realizar competições escolares com mais organização e utilizar mais os espaços públicos.
A UFOP possui atualmente sete associações atléticas. Como está acontecendo o processo de estruturação da liga das atléticas?
Temos atléticas nos três campi. Desde a pandemia, a liga organizada está sem a comissão representante formada. Estamos organizando também o interatlética, evento para unir todas. Tentamos conversar com as atléticas para retomar a discussão sobre a liga e estruturar esse processo, pensando em facilitar a conversa entre elas e a participação em torneios. A ideia é organizar essa estrutura geral das atléticas, para que a comissão tenha o funcionamento organizacional das atléticas, com presidência, vice-presidência e demais cargos, para não sobrecarregar uma atlética. Montando a diretoria, a coordenação entraria com o auxílio, fortalecendo ainda mais as atléticas e o esporte universitário.