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Sustentabilidade e inclusão no modelo econômico da agricultura familiar

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Com: 
Adrienne Pedrosa
 
A agricultura familiar cumpre um importante papel em nosso país: coloca nas mesas uma comida mais saudável, sem agrotóxicos, enquanto sustenta famílias de norte a sul. No entanto, essas pessoas não recebem o apoio necessário para continuar trabalhando.
 
No Em Discussão desta semana, a professora Marisa Singulano explica a contribuição deste ramo para a economia, principalmente na Região dos Inconfidentes. Ela também fala sobre os desafios e o que podemos fazer para fortalecer os agricultores.
 
Marisa é doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestra em Antropologia (UFMG) e bacharela em Ciências Sociais (UFMG). Atua no Núcleo de Pesquisa e Extensão em Desenvolvimento Econômico e Social (Nupedes) da UFOP, que tem como objetivo propor e executar projetos de pesquisa e extensão relacionados à temática do desenvolvimento local em Ouro Preto e Mariana, no que se refere tanto aos aspectos socioeconômicos quanto ambientais.
 
De acordo com o IBGE, a agricultura familiar representa 77% da produção agrícola do Brasil e segue parâmetros semelhantes em Ouro Preto e Mariana. De que forma você percebe que essa atividade contribui para o bem-estar da família que produz?
 
Nessas unidades de produção familiar são produzidos, essencialmente, alimentos que são consumidos pela própria família e comercializados na região, o que contribui para o bem-estar dos produtores e da população em geral de várias formas, mas gostaria de destacar os aspectos econômico, ambiental, da saúde e social:
 
- no aspecto econômico, a agricultura familiar gera renda para as famílias no campo e fomenta a economia local, contribuindo para o desenvolvimento da região, mas para isso é importante que as famílias agricultoras tenham suporte, por meio de políticas públicas de crédito, de assistência técnica à produção, de apoio à comercialização, entre outras;
 
- no aspecto ambiental, podemos destacar que entre os agricultores familiares de Mariana e Ouro Preto muitos produzem sem uso de agrotóxicos e a partir dos princípios da agroecologia, ou seja, trata-se de uma atividade em equilíbrio com os ecossistemas locais a partir de práticas que contribuem para a sustentabilidade, o que traz benefícios a todos;
 
- no aspecto da saúde, a produção de alimentos pela agricultura familiar, sobretudo de forma agroecológica, contribui para o bem-estar das famílias produtoras e dos consumidores, em geral por meio de uma alimentação saudável e livre de agrotóxicos. Associado a isso, no aspecto social, a produção familiar contribui para a segurança alimentar e nutricional das próprias famílias e da população em geral, ou seja, garante o direito de todos ao acesso regular a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, a partir de práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis, como preconiza a LOSAN, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei n° 11346/2006).
 
O avanço tecnológico pode prejudicar a agricultura familiar de alguma forma? Como você avalia a competição entre as grandes corporações do ramo e os pequenos produtores?
 
A tecnologia em si não é necessariamente prejudicial para a agricultura familiar. O problema é a desigualdade de acesso à tecnologia e a exclusão digital da população rural. Em um mundo onde as relações sociais são cada vez mais mediadas pela tecnologia e os meios digitais de comercialização são altamente difundidos, é importante garantir a inclusão digital da população rural, em especial dos jovens, para que eles possam se inserir na economia. 
 
Além da questão do acesso à tecnologia, é importante destacar que grandes corporações têm o controle não só da tecnologia de informação e de dados dos usuários, definindo, por exemplo, o tipo de conteúdo que consumimos nas mídias, mas também da nossa alimentação, definindo o que e como será produzido e o que nós comemos.
 
A produção, a distribuição e o consumo de alimentos se organizam no que chamamos de sistema agroalimentar, que, atualmente, é globalizado e controlado por grandes e poucas corporações transnacionais. Essas empresas tratam o alimento como mercadoria, ou seja, seu interesse se investe em produzir da forma mais rentável possível, não sendo prioridade a sustentabilidade e a saúde humana. No âmbito da produção, ocorre um domínio do agronegócio e da indústria extrativista, que se apropriam de terra e água para a geração de lucros em detrimento da produção de alimentos. Algumas das consequências disso são a devastação dos ecossistemas, a expulsão dos agricultores familiares e de populações tradicionais de suas terras, a contaminação por agrotóxicos, etc. No âmbito da distribuição e do consumo de alimentos, o sistema agroalimentar globalizado promove a escassez de alimentos no mercado interno — já que a produção está centrada em commodities de exportação mais lucrativas (como a soja e biocombustíveis) —, tendo como consequência a insegurança alimentar, a elevação da inflação e a oferta de alimentos não saudáveis, como os ultraprocessados e os produtos com agrotóxicos que prejudicam a saúde da população (mais informações sobre alimentação saudável no Guia Alimentar para a População Brasileira).
 
Nesse contexto, os pequenos produtores familiares são extremamente prejudicados, pois, além de não terem apoio do poder público no momento atual, muitas vezes não conseguem concorrer com os preços das grandes redes supermercadistas, se encontram presos em contratos desfavoráveis com a indústria ou têm de vender a produção para atravessadores que os remuneram mal.
 
Nós, como consumidores, podemos procurar saber a origem e a qualidade dos alimentos que consumimos para agirmos na contramão desse sistema agroalimentar. Podemos privilegiar os alimentos da agricultura familiar local, especialmente produtos orgânicos ou agroecológicos, comprando, sempre que possível, diretamente dos produtores ou de suas cooperativas e redes de comercialização justas e solidárias.
 
A evasão dos jovens, no cenário agrícola, impacta de qual forma a produção e a estrutura familiar?
 
Atualmente um grande problema para a agricultura familiar é a questão da sucessão, ou seja, como garantir a continuidade da produção na unidade familiar ao longo das gerações com a saída dos jovens do meio rural. Os dados disponíveis nos mostram que há um envelhecimento da população rural, cuja renda passa a ser oriunda não apenas da produção, mas também, e muitas vezes de forma predominante, de previdência e outros benefícios. A saída da população jovem do campo gera impactos para a sociedade em geral, para o poder público e para as famílias e comunidades rurais. Em relação à produção, pode haver um comprometimento pela escassez de mão de obra e/ou um processo de mudança em padrões tecnológicos. Mas não há condições de  permanência digna para esses jovens no meio rural e na agricultura familiar, a menos que haja políticas públicas de educação, de acesso à informação, de crédito e inclusão produtiva, de comercialização, além de políticas para segmentos específicos como as mulheres, as populações e comunidades tradicionais, os empreendimentos coletivos, entre outros.
 
Como a prática da agricultura familiar impacta econômica e socialmente as famílias na região de Ouro Preto e Mariana?
 
A agricultura familiar na região de Ouro Preto e Mariana possui uma importância econômica e social que remonta ao século XVII, quando se iniciou a produção de alimentos para a população que começou a se estabelecer na área para a exploração do ouro. Ao longo dos séculos seguintes, foi se desenvolvendo um modelo de produção de alimentos em pequena escala para abastecer, sobretudo, os mercados locais, que existem ainda hoje.
 
Contudo, a agricultura familiar sempre ocupou uma posição economicamente marginal na região, sendo que os investimentos públicos e privados tendem a se destinar, prioritariamente, para o setor da mineração. Em tempos de crise da produção mineral, a agricultura representava, e ainda representa, uma alternativa de renda e de sobrevivência para as famílias locais. Hoje, muitos trabalhadores desempregados no setor da mineração têm retornado às terras da família nos distritos rurais e se dedicado à agricultura como uma alternativa.
 
Assim, podemos dizer que agricultura familiar, além de fazer parte da história e do modo de vida da população da região de Ouro Preto e Mariana, pode ser parte importante de um novo modelo econômico para a região, mais sustentável e inclusivo.
 
Qual benefícios a UFOP pode promover adquirindo produtos da agricultura familiar?
 
A compra de produtos da agricultura familiar pode ser feita pela UFOP e pela comunidade universitária de algumas formas, como a compra institucional para abastecer os restaurantes universitários e as cantinas, a compra direta nas feiras agroecológicas que acontecem nos campi de Ouro Preto e Mariana e por meio da encomenda de cestas entregues em casa pelos próprios agricultores. Veja informações sobre os agricultores, sua produção e formas de adquirir os produtos no site do Nupedes
 
A UFOP e a comunidade universitária promovem muitos benefícios ao comprar da agricultura familiar, tais como: a geração de renda para as famílias e comunidades rurais, melhorando as condições de vida e de permanência da população no campo; a valorização da cultura e dos hábitos alimentares locais; o incentivo a uma economia circular e a uma produção mais sustentável; a promoção da alimentação saudável e da saúde, entre outros.
 
Em relação à alimentação dos Restaurantes Universitários, como esses produtos da região se diferenciam dos demais e quais os desafios para sua aquisição?
 
A principal forma de aquisição da produção da agricultura familiar pela UFOP, que é a compra para abastecer os restaurantes universitários, foi, infelizmente, prejudicada com a terceirização do serviço em 2018. Naquele ano, a UFOP havia se tornado a terceira universidade no país e a primeira no Sudeste que mais comprava produtos da agricultura familiar para os restaurantes universitários, o que teve um impacto enorme sobre as comunidades rurais locais. Hoje, infelizmente, a situação é muito diferente.  
 
O grande diferencial dos produtos da agricultura familiar que abasteciam o RU até aquele momento era a qualidade, por serem produtos agroecológicos, sem agrotóxicos, além de serem locais, chegando ao restaurante recém-colhidos e frescos. Acredito que o desafio agora seja garantir que a empresa que administra os restaurantes compre a produção da agricultura familiar a preços justos e ofereça uma refeição de qualidade à comunidade universitária. Para isso, será necessário o apoio da administração central da UFOP, a participação dos agricultores familiares e a pressão dos usuários do RU. Enquanto usuários, podemos buscar informações sobre a origem e a qualidade dos alimentos adquiridos e pressionar os setores responsáveis para que ocorra a compra da agricultura familiar local, o que beneficia a nossa saúde e promove o desenvolvimento da nossa região.
 
Quais são as perspectivas futuras para o cenário da agricultura familiar? Quais políticas locais, regionais e nacionais são necessárias?
 
No início dos anos 2000 foram implementadas políticas que foram fundamentais para o reconhecimento da importância da agricultura familiar e para seu desenvolvimento. Essas políticas passaram por um processo de desmonte completo desde 2016, o que afetou muito os agricultores familiares, que tiveram o acesso ao crédito produtivo comprometido, perderam apoio à comercialização, entre outros impactos. Esse desmonte afetou também a todos nós, pois se os agricultores encontram dificuldades para produzir, a comida fica mais cara, além dos prejuízos para a economia em geral e, consequentemente, para toda a sociedade.
 
Com a pandemia, esses agricultores foram ainda mais prejudicados. Um dos motivos é que a alimentação escolar era um dos principais destinos da produção familiar. Como as escolas ficaram fechadas por muito tempo e diversas prefeituras não ofereceram a alimentação às crianças e jovens em suas residências de forma adequada, os agricultores foram muito prejudicados. A situação atual dos agricultores familiares em Ouro Preto e Mariana, bem como em todo o país, é muito preocupante.
 
Acredito que o desafio seja retomar ações que foram desenvolvidas com sucesso, garantindo o apoio à agricultura familiar e o combate à fome, como a compra institucional da agricultura familiar para a alimentação escolar e para órgãos públicos diversos, como hospitais, casas de repouso etc. Também é preciso ir além do que já foi feito, buscando transformar o sistema agroalimentar para um modelo mais sustentável. Para isso, é necessário um conjunto de ações da sociedade civil e do poder público nas esferas municipal, estadual e federal, buscando sempre fortalecer a produção agroecológica, apoiar a inclusão de mulheres, jovens e populações e comunidades tradicionais na economia, incentivar os pequenos negócios locais e solidários, aproximar produtores e consumidores em circuitos curtos de comercialização e promover modelos de economia circular e sustentável.

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