O projeto de pesquisa "Quem é essa menina? Inventário de imagens, representações e afetos da infância no audiovisual", do curso de jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), tem como proposta investigar e evidenciar as marcas de gênero presentes nos desenhos infantis direcionados a meninas de 6 anos. Criado em 2016, é vinculado ao Ponto - grupo de pesquisa, estudos e extensão em comunicação (CNPq/UFOP).
Para compreender essas representações veiculadas na mídia, a investigação ocorreu em duas etapas: primeiramente, houve uma seleção das animações, através de um formulário construído para coleta de dados quanti-qualitativos, que avalia itens como cenário, vestuário, entre outros. A segunda etapa consistiu na análise qualitativa desses desenhos — somente aqueles em que as protagonistas femininas são humanas, e não seres mágicos ou seres sobre-humanos.
Para identificar os modelos e padrões de feminilidade presentes nas narrativas, foram selecionados 26 desenhos que, após a primeira análise, foram reduzidos para 21. No segundo momento, oito desses desenhos foram selecionados para uma averiguação mais profunda. São eles: Masha e o Urso, Diário de Mika, Spirit - Cavalgando livre, Jake e os Piratas da Terra do Nunca, A Hora do Justin, Luna Petunia, Princesa Sofia e She-Ra: a Princesa Guerreira.
De modo geral, apesar de ainda haver predominância da cor rosa e de enfeites como laços e vestidos, os resultados mostram que as representações atuais de meninas rompem com alguns padrões tradicionais de feminilidade: as protagonistas são líderes, fortes e empoderadas. Há, também, a criação de novos padrões, como a adultização dos corpos, além de desenhos que retratam crianças maquiadas e com cílios grandes.
Para a bolsista Larissa Venâncio, os desenhos são retratos da época em que são criados. "A maneira com que as imagens e representações das personagens são construídas ajuda a compreender como se dão as relações de poder existentes na sociedade, os recortes de classe, étnicos, raciais e sociais", explica.
Com base nas investigações, diversas conclusões aparecem. Uma delas é que, de acordo com o observado nos desenhos das décadas de 1980 e 1990, a infância das meninas era mais prolongada do que nos dias atuais. Nas animações com protagonistas negras, os estudos mostram que questões de identidade e cultura não são ilustradas, ou seja, "os desenhos causam a sensação de solidão nas crianças que os assistem, porque retratam meninas com estética negra, mas que não sofrem racismo. A criança que se depara com esse tipo de representação tão esvaziada pode se sentir sozinha em relação ao que enfrenta no mundo real", afirma a ex-bolsista Francielle de Souza.
Segundo a coordenadora da pesquisa, professora Karina Gomes Barbosa, o que a motivou a desenvolver esse trabalho foi sua experiência materna, juntamente com seus estudos feministas. "Comecei a detectar uma carência de pesquisas sobre esse sujeito do feminismo, a menina, e sobre suas representações que circulam na mídia. Isso nasce do acompanhamento que faço do que minha filha consome nas telas e diante de tudo que venho estudando em relação à mulher", afirma.
Os resultados dessa pesquisa podem interessar à comunidade acadêmica e às famílias, trazendo informações sobre a necessidade de filtrar o consumo de mídias pelas crianças e acompanhar esse processo. É preciso questionar aspectos dessas produções, seus conteúdos, o modo como influenciam ou reforçam estereótipos. A pesquisa também tem o interesse de contribuir com a formação de crianças cidadãs, com a atenção aos direitos humanos e com o desenvolvimento da capacidade crítica de consumo de mídia.