Criado por Patrícia Pereira em sex, 19/10/2018 - 15:26 | Editado por Patrícia Pereira há 6 anos.
“Louca América: reforma psiquiátrica, movimentos sociais e saúde mental na América do Sul” é uma pesquisa que vem sendo desenvolvida pelo professor de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Aisllan Assis, há cerca de 10 anos. O objetivo geral da pesquisa é analisar a trajetória dos movimentos de reforma psiquiátrica na América do Sul, observando a articulação que se estabelece nesses contextos na busca por um atendimento integral e igualitário aos portadores de transtorno mental.
Aisllan desenvolve esse trabalho desde 2008, de forma pessoal. Oficialmente, elabora a pesquisa há quatro anos, no âmbito do doutorado em saúde coletiva do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Parte do estudo "Louca América" é uma descrição da participação de Aisllan no campo da saúde mental, como enfermeiro psiquiátrico e como militante de movimentos sociais que lutam, defendem e divulgam as ideias das reformas psiquiátricas. Como doutorando, tem utilizado vários métodos de coleta de dados, como: entrevistas, participações em eventos, registros em diários de campo, e um acervo de imagens, notícias e textos produzidos pelos movimentos sociais e também pela mídia de massa. Além disso, tem trabalhado com uma técnica inovadora de levantamento de dados de pessoas ligadas aos movimentos sociais e representantes da rede latino-americana por meio das redes sociais Whatsapp e Facebook.
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REFORMAS PSIQUIÁTRICAS E SAÚDE MENTAL- Segundo o pesquisador, a América do Sul se destaca no campo das reformas psiquiátricas de saúde mental no mundo. A reforma psiquiátrica brasileira, por exemplo, é conhecida por ter modificado radicalmente a forma como a sociedade e o Estado cuidam dos portadores de saúde mental. Até a década de 1970, o país chegou a ter mais de 100 mil pessoas aprisionadas em hospitais psiquiátricos, asilos e manicômios. Depois, estabeleceu-se um forte movimento social, impulsionando a reforma psiquiátrica e as mudanças na política de saúde mental, que, em 2006, culminou em uma ruptura intensa com o antigo sistema.
Além da constituição de direitos, foram criadas novas instituições, diferentes arranjos da política social para proteger e promover a integração dessas pessoas, e um campo de conhecimento específico de saúde mental (residências, cursos, especializações), possibilitando a formação de pessoas capacitadas para trabalhar com o novo modelo de cuidado. Os atendimentos aos portadores de transtorno mental e às famílias desses pacientes são agora realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e o cuidado desenrola-se principalmente em serviços especializados do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Existem também vários outros serviços especializados e de outras áreas da saúde, que formam a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Além disso, permanecem os serviços de saúde dos hospitais psiquiátricos e, mais recentemente, foram criadas as comunidades terapêuticas.
A pesquisa está em sua fase mais expressiva, uma vez que foi iniciada no momento em que a reforma psiquiátrica na América do Sul estava se intensificando. Atualmente, a fase é de registro — quando o processo é mais crítico. Desde 2015, a reforma vive um franco processo de desmantelamento, com redução de recursos e retirada dos serviços. As análises revelam que, no mesmo momento em que há um conservadorismo na instituição política, há também uma potente rearticulação dos movimentos sociais. "O resultado interessante é que o trajeto do movimento está indo na direção da intensificação e integração latino-americana em defesa de uma reforma psiquiátrica sem manicômios. Essa é a principal surpresa dessa pesquisa", destaca.
APOIO DA UFOP - No âmbito da UFOP, ao tornar-se professor efetivo da Escola de Medicina, Aisllan registrou a pesquisa "Louca América" como atividade docente. A Universidade passou a ser fonte financiadora da pesquisa — por meio do auxílio qualificação e do horário especial de trabalho — ao mesmo tempo que abriu portas para que os conhecimentos produzidos fossem revertidos em ações internas na Universidade, como a participação nas ações do Setembro Amarelo, a construção da agenda de promoção da saúde mental e emocional, e o projeto "Abrace", do grupo de acolhimento e cuidados ao estudante. "A importância disso é que, no mesmo momento em que a UFOP apoia o trabalho, consigo reverter parte desses conhecimentos da pesquisa em ações de cuidado e acolhimento no campo de saúde mental para a comunidade acadêmica — processos de acolhimento, debates, palestras e reflexões voltados, principalmente, para os estudantes", ressalta o professor.
O projeto de pesquisa tem a orientação do professor Paulo Henrique Rodrigues (sociólogo e doutor em saúde coletiva) e do professor Martinho Silva (psicólogo e doutor em antropologia). Aisllan pretende encerrar o trabalho em dezembro e apresentar a tese em março de 2019. Enquanto isso, tem participado de vários eventos, apresentando trabalhos associados à pesquisa. Participou recentemente do "II Encontro latino-americano de direitos humanos e saúde mental", em Montevidéu, Uruguai. A expectativa é que a pesquisa possa ser reproduzida em um livro, para apresentação no "Fórum latino-americano de Direito da Saúde Mental", no ano que vem, em Salvador, Bahia.